Paulo Afonso, cidade marcada pela presença da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), carrega uma história de contradições e injustiças. Desde sua criação, a CHESF se beneficiou dos recursos da região, especialmente das águas do Rio São Francisco e das terras dos municípios de Paulo Afonso, e de vários outros municípios da Bahia e de Pernambuco, para gerar energia elétrica.
No entanto, a empresa negligenciou suas responsabilidades com esses municípios e impôs barreiras ao desenvolvimento de Paulo Afonso, que ainda era parte de Glória. A cidade recebeu milhares de trabalhadores do dia para a noite, gerando uma demanda por serviços públicos absurda que nem a sede, nem a pequena povoação, tinham como suprir. Enquanto as ruas da cidade, que se formavam desorganizadamente, sofriam sem água, energia, saneamento e pavimentação, a Vila construída para receber engenheiros, médicos e outros profissionais da CHESF era separada do resto da povoação por cercas e, depois, por um muro de pedras, e tinha uma infraestrutura de fazer inveja à maioria das cidades num raio de 300 km.
Até 1988, a CHESF não pagava nada ao município pelos recursos naturais utilizados. O orçamento de Paulo Afonso era menor do que o gasto da CHESF com a manutenção das ruas e praças do "acampamento". A empresa não pagava impostos como o IPTU, não apoiava eventos culturais e sociais, nem compensava o uso das terras alagadas ou a produção de energia. Todo o lucro era apropriado pela CHESF, enquanto a cidade ficava sem os benefícios econômicos de sua própria riqueza. Além disso, a CHESF, que foi contrária à emancipação da cidade, usou seu poder político para impedir a industrialização local, bloqueando a entrada de empresas para manter mão de obra barata. O objetivo sempre foi fazer o que foi feito anos depois com Itaparica, em Pernambuco, que virou uma vila fantasma.
A CHESF, de caso pensado, prejudicou o desenvolvimento econômico de Paulo Afonso e manteve a cidade dependente dela. Após o final das obras, a cidade deveria morrer, mas o povo de Paulo Afonso não aceitou esse destino. Em 1988, foi instituída na Constituição a cobrança de royalties sobre a produção de energia elétrica, fruto de uma luta liderada pelo prefeito Zé Ivaldo, com apoio da população. Enfrentando forte oposição da CHESF, que ameaçou seus funcionários de demissão caso assinassem o documento da Emenda Popular, a luta significou uma segunda emancipação para Paulo Afonso. Alguns anos depois dessa vitória histórica, os cofres municipais passaram a ser irrigados com a justa compensação financeira, após a regulamentação da lei.
O hospital Nair Alves de Souza é outro símbolo dessa relação desigual. Por anos, funcionários da CHESF foram tratados com regalias e tinham benefícios especiais, enquanto o restante da população recebia tratamento semelhante ao dado a indigentes, muitas vezes voltando para casa sem atendimento, isso só mudou de fato com o advento do SUS.
Quando a Justiça transferiu a gestão do hospital para o município a pedido da CHESF, impôs uma despesa além da capacidade do município, que passou a arcar com dois hospitais e sem auxílio financeiro. A Justiça deveria ter obrigado a União, então dona da CHESF, a assumir o hospital e não colocar mais esse peso sobre o município. A CHESF se livrou do hospital com o objetivo de viabilizar sua futura privatização; além disso, o processo de transferência para a UNIVASF, que havia sido acordado anteriormente entre o estado da Bahia e a CHESF, foi travado pelo Ministério da Educação do governo Bolsonaro.
É inaceitável, portanto, que a CHESF cobre do município pela energia que mantém o hospital em funcionamento, gerada pelas usinas da empresa em Paulo Afonso e utilizando recursos da cidade. Pagar as contas de água e de energia elétrica do hospital era o mínimo que a CHESF poderia e deveria fazer. Já não basta a ponte, construída para uma cidade de 50 mil habitantes, e agora a cidade já precisa de outra, assim como a via de acesso (BA-210) sobre o dique, sem possibilidade de expansão, que em breve se tornará obsoleta. Tudo isso é Divida da CHESF com Paulo Afonso.
Além disso tudo, a prefeitura argumenta que a decisão judicial que transferiu o HNAS para o munícipio, não determinou que a prefeitura assumisse débitos anteriores com energia elétrica. Portanto, essa cobrança é uma afronta ao nosso povo e a cidade, e quem apoia essa atitude, principalmente se apoia por motivos eleitorais, presta um desserviço a Paulo Afonso. A CHESF foi muito importante pra nossa história, mas deve muito mais a Paulo Afonso do que o contrário.
A privatização da ELETROBRAS/CHESF, (a preço de banana, frise-se aqui), não deveria servir como perdão para os inúmeros erros que a empresa cometeu e pelos prejuízos causados com a construção dos lagos de suas barragens, que gerou a inundação de terras e a desapropriação que promoveu, retirando a força pessoas de suas casas, e depois jogando-as ao léu, como aconteceu no BTN por exemplo. A CHESF precisa reconhecer e corrigir as injustiças históricas com a cidade que tanto lhe deu e pouco recebeu em troca.