Cada cidade possui suas características próprias, seus valores culturais, sociológicos e até estéticos mesmo. Ao longo da sua história, cada uma vai adquirindo uma marca, uma espécie de carimbo peculiar. Se você falar de São José do Egito, aqui no nosso sertão do Pajeú, vai lembrar logo da poesia, do repente; pois é raro o filho de São José que não seja poeta ou então que não saiba declama-las, recita-las. Convivi no meu tempo de estudante com colegas de lá e quando a farra começava, eles poetavam o tempo todo, seja na decoreba ou no repente. Trabalhei com um anestesista de São José e na sala de cirurgia, ele arrancava versos e repentes, que nos motivava e emocionava profundamente, sobre os mais diversos temas, inclusive médicos, além de vida e morte, severina, caetana ou matada; inesquecível poeta anestesista Josimar.
Serra Talhada não, a nossa característica primeira era a valentia, a coragem, a brabeza do nosso povo. Nós filhos de Serra éramos obrigados a ser valentes, tinha que topar toda parada, não podíamos sentir medo, era quase um pecado. Quantas vezes, não queríamos brigar, por não achar motivo para isso ou estar com medo mesmo, mas não, tínhamos que brigar mesmo sem querer. Em quantas brigas tivemos que entrar só pra não desfazer o legado de valentes filhos de Serra Talhada.
Entretanto, principalmente em Recife, às vezes era uma vantagem ser de Serra, pois os colegas e as pessoas tinham um certo receio de encarar uma briga com a turma daqui e ai nós levávamos uma certa vantagem em algumas situações, principalmente em festas e jogos de futebol.
Para quem viveu na década de1950 e 1960, com pouco mais de 10 anos da morte de Lampião(1938), sabe como era duro e difícil, a convivência social, as disputas de poder local, com grande resquícios da famosa briga das famílias Carvalho(do meu pai) e da família Pereira(da minha mãe), do inicio do século passado. As pessoas destas famílias e seus aliados e amigos, não podiam se relacionar, ser amigos; namorar ou casar entre eles quase impossível; não sei como meu pai teimoso e apaixonado conseguiu com minha mãe em 1946. Quantas pessoas dos Carvalho foram assassinadas pelos Pereira e vice-versa, inclusive a morte de Antônio da Umburana(irmão do meu avô João Carvalho) por Sebastião Pereira(tio do meu avô Luiz Epaminondas), enfim, esta cidade, sempre teve esta característica da valentia, da vingança, do olho por olho, dente por dente. Acho que ainda hoje perdura estes valores em nós, como se estivesse gravado na nossa memória genética, não levar desaforo pra casa, vingar a morte de um irmão, pai ou parente próximo e por incrível que pareça isto ainda existe de fato em algumas famílias como setores dos Pereira, Ferreira, Oliveira e por ai vai.
Mesmo depois de tantos anos, depois de estudar e viver tanto, tento tirar este ranço dentro de mim, olhar para todos, independente de vinculo ou laço familiar, afinal o nosso compromisso é com a espécie humana, perto de completar 66 anos de idade, vejo quanto tempo perdido nestas brigas, nesta valentia atávica, sem razão de ser. Quantas pessoas decentes, do bem, deixei de conviver por puro ranço de macho metido a valente. Mas, infelizmente, carregamos uma carga genética que tem um peso importante no nosso comportamento e uma história de vida, junto com as pessoas da sua família. Digo que sou um hibrido da inteligência, do barulho e a inquietação dos Carvalho, turrão, trabalhador e a valentia do meu avô Luiz Epaminondas(Pereira), a organização, a disciplina e o sentimento de família dos Aureliano Acioly, além da tranquilidade e perspicácia dos Feitoza de Betania.
Só o tempo e a perspectiva histórica, nos dirá se estamos deixando uma sociedade melhor em Serra Talhada e no nosso país, quebrando preconceitos e construindo um mundo onde todas as pessoas se sintam respeitadas, nem pior nem melhor que ninguém, como principio básico da cidadania.
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