- Dr. Pimenta -
Em certo sentido, a campanha para o segundo turno da eleição para a presidência foi muito mais proveitosa que a do turno inicial. Nesta, a diluição das mensagens causada pela quantidade de postos em disputa escondeu certas idiossincrasias agora destacadas. O caráter de farsa da campanha conteve inegável conteúdo pedagógico. Por ele pôde-se aprender muito mais do que se aprenderia em qualquer curso regular.
Diga-se que, em ambos os lados são encontrados (maus) exemplos. Quando o presidente da República desce aos palanques, esquece os deveres de chefe de Estado e de governo. Por isso, corre sempre o risco dos excessos e exageros, impróprios para quem se sagrou presidente de todos os brasileiros, não apenas dos que lhe concederam o mandato.
No caso específico do atual presidente, pesou a arrogância anteriormente apontada, mas nunca registrada com tanta intensidade e reiteração. Lula foi longe demais, ameaçando até o êxito de sua candidata. Curiosamente, tem cabido a ela desfazer a imagem negativa que o presidente disseminou. Aqui, talvez a inexperiência de Dilma tenha ajudado a esfriar o ambiente hostil que Luís Inácio Lula da Silva parecia empenhado em criar.
Uma coisa é defender as propostas da candidata e esperar que ela as honre. Bastaria a Lula, por exemplo, mostrar as probabilidades de Dilma dar continuidade às iniciativas de sua gestão. Afinal, todos os números apontam o êxito das políticas atualmente praticadas, pelo menos para os setores que formam a opinião pública. Do outro lado do espectro socioeconômico, um prato a mais de feijão na mesa pode fazer a diferença. Ainda aí, Luís Inácio Lula da Silva tem o que mostrar. Sem falar nas taxas de ocupação da população economicamente ativa.
Por que, então, Lula preferiu outro caminho? Por que arriscaria ele a eleição de sua ex-ministra, antes dada como vitoriosa? Parece-me que o estilo Lula (se é que existe) preponderou sobre qualquer outra consideração. E deu no que deu.
Uma das consequências da incontinência e agressividade de Lula foi a farsa que envolveu José Serra, cuja inconseuência já comentei em outro artigo. Já não bastaram as promessas levianas feitas durante a campanha do primeiro turno, o ex-ministro de FHC sentou praça nas diatribes do patrocinador da opositora. Sentiu-se, inclusive, no direito de acrescentar à irresponsabilidade e às contradições anteriores exercícios do mais ridículo histrionismo. O episódio da bolinha de papel atirada em sua cabeça é bem o retrato da comédia que o teve como estrela, não fosse o episódio marcante da tragédia em que traduz a política brasileira.
Não são, todavia, os excessos de Lula nem a encenação de Serra os mais importantes aspectos a observar, quando pensamos nesse segundo turno da eleição presidencial.
Comparar a história de cada candidato e avaliar-lhe os respectivos e possíveis caminhos, a partir de 01 de janeiro de 2001, é o que de mais relevante pode ser feito. Quanto a José Serra, por mais que seu discurso tentou mostrá-lo comprometido com os mais pobres e com as políticas sociais que os beneficiarão, foi difícil acreditar nisso. A ele o próprio Fernando Henrique Cardoso atribuiu a fúria privatista responsável pela transferência de patrimônio público às gulosas mãos de empresas nacionais e estrangeiras. Pode ser que FHC esteja de olhos postos em 2014. Mas - e se não estiver? Não se trata, portanto, de afirmativa inconseqüente ou dita com a intenção de complicar a vida de seu figadal aliado.
É certo que alguns bons resultados Serra colheu, quando ministro da Saúde. O mesmo não pode ser dito dele, quando foi ministro do Planejamento. Nem os números que ele costuma apresentar, relativamente à sua gestão no Estado de São Paulo, parecem corresponder à verdade. Como esperar que ele mude radicalmente, por exemplo, sua hostilidade à zona franca de Manaus, exemplo? Esse é só um exemplo, que dá bem a idéia dos compromissos do candidato, somente agora advertido de que o Brasil é mais que a avenida Paulista e os jardins.
De Dilma pode-se dizer ter sido guerrilheira. Não sendo a primeira a praticar atos contra uma ditadura, por que não é olhada como outros deles, transformados em líderes e ídolos internacionais? Esquecer que o governo de que Dilma fez parte não cumpriu tudo quanto esperávamos dele é chover no molhado. Isso não é suficiente, porém, para fazer de seu opositor o anjo vingador que alguns tentam desenhar.
Vejam-se os índices econômicos legados por Lula. Nenhum deles envergonharia o governante de qualquer nação capitalista. A expectativa de Natal farto, com a proximidade do pleno emprego, a euforia de que está tomado o setor comercial, tudo isso mostrou diferenças entre os candidatos. E não vale dizer que é a situação do Mundo que permite isso.
Que o ritmo das mudanças está demasiado lento, nem duvidar. Mas não se trata apenas de discutir a velocidade, mas a própria qualidade do crescimento. Certamente, não seria com Serra que conseguiríamos ter distribuição mais veloz da riqueza. Em compensação, com ele poderíamos, inclusive, ver retrocesso nos incipientes e tímidos avanços.
Bem, Dilma ganhou. Agora é chegar ao dia 02 de janeiro de 2011 para passarmos a cobrar dela a aceleração e o aprofundamento necessários - eis a receita.