: Dr. Pimenta
Ao comparar-se o que dizem os governantes com o que a realidade mostra, tem-se, quase sempre, a impressão de que outra é a paisagem que eles contemplam. A experiência vem revelando, ao longo dos tempos e mandatos, que importa pouco a vinculação partidária do governante. Ao chegarem ao poder, todos ficam muito parecidos entre si.
Práticas antes condenadas são facilmente absorvidas e passam a marcar suas decisões e ações. Palavras de ordem antes tidas como emblemas viram apostasias. Convicções antes propaladas perdem o vigor. Assim, postados nas posições hierárquicas conquistadas graças ao discurso promissor, todos assumem a mesma face.
Quase sempre, face pouco sensível ao clamor das ruas. Face muitas vezes aborrecida com as reivindicações que um dia prometeram atender. Não tem sido diferente, desde que um torneiro mecânico curtido na feroz luta contra a ditadura chegou à presidência da República Federativa do Brasil e insiste em colocar como sucessora uma esquerdista rude e incapaz.
Sua caminhada, prenhe de sinais e símbolos, gerou na parcela mais sofrida da sociedade brasileira esperanças que jamais outro político despertara. Afinal, o fato de ser nordestino, de ter emigrado para o Sul em busca de um lugar ao sol, de ter-se tornado um operário e muito mais - tudo isso produziu o sentimento que levou Luís Inácio Lula da Silva ao poder por duas vezes.
Qualquer brasileiro medianamente informado compreenderia as dificuldades para resgatar a imensa dívida social, acumulada ao longo de décadas. Ninguém desconhecia os efeitos da política econômica pertinazmente posta em prática pelo antecessor de Lula. Seria admissível, portanto, esperar um pouco, até que emergisse a oportunidade de seguir orientação diferente. Orientação que revelasse, sem dúvidas ou hesitações, o propósito de mudar a face do País. Mudando-a, a partir da mudança de hábitos e de substancial alteração nos procedimentos.
Qual o quê ! Se o fim do ano de 2010 seria limite razoável , o ano de 2011 vai chegar, sem que se possa perceber qualquer sinal de que o futuro será diferente. O esforço por atender à banca internacional, vigorosamente despendido pelo exercício anterior, permaneceu incólume. O desejo de agradar aos investidores estrangeiros, maior que a vontade de pagar a dívida social, iguala-se ao de Fernando Henrique Cardoso. O uso de expedientes pouco elogiáveis, para proteger aliados pegos com a boca na botija não é diverso do que marcou a gestão anterior. Nem o toma-lá-dá-cá, equivocadamente assemelhado à conduta franciscana, deixou de existir.
O que se pode esperar, portanto da sucessora "imposta" pelo torneiro que virou presidente?
Nada que dispense a mobilização contínua e crescente das massas. Essas, porém, foram propositalmente desmobilizadas, sobretudo pela adoção de políticas assistencialistas, consideradas melhores que nada. Só por isso, pelo extremo estado de penúria em que se encontra grande parcela da população, ainda prosperam práticas paternalistas. E ainda não foi este o governo que as eliminou. Se é que, ao revés, não as multiplicou.
A euforia que toma conta das festas chamadas eleições, longe de manifestarem-se no rosto e no sorriso aberto dos trabalhadores e dos moradores da periferia das cidades, escancara-se na face corada dos exportadores, dos agronegociantes, dos banqueiros (e diga-se de passagem: a indústria que mais cresce no País é a financeira) e dos oportunistas de plantão. Esses, com certeza, só têm do que gargalhar. Ainda que a cada sinal fechado tenham que deparar com pedintes, crianças na sua maioria, clamando pela esmola salvadora. Ou encarar as páginas policiais, registro vergonhoso do desemprego renitente, incapaz de ser combatido com eficácia, se perduram suas causas mais profundas. Dentre elas, certamente, a opção por uma economia concentradora, excludente, antiquada, que, com certeza, não vai mudar com a ditadura legalizada desse assistencialismo que tomou conta de todos nós.