* :Dr. Pimenta
Com a chegada da Copa Vela, que é um carnaval fora de época, lembro-me quando éramos crianças, o ingênuo carnaval das cidades era muito diferente do de hoje. Mais identificado com a alma do povo, dispensava o espetáculo, destinando-se apenas a afastar as pessoas do cotidiano penoso, às vezes marcado pela tragédia ou pelo sacrifício. Era o tempo em que os acanhados blocos de rua percorriam os bairros mais próximos das residências de seus brincantes, em desfile a pé, não raro crescendo em número, à medida que avançavam. O grupo inicial atraía o povaréu, em clara demonstração de identidade com a representação carnavalesca.
Além dessas sementes dos grandes blocos de hoje, os mais jovens reuniam-se em pequenos grupos para reverenciar o rei primeiro e único, Momo. Quase sempre desfilavam com as mais velhas e surradas de suas roupas, cuidando apenas de ter o rosto coberto com algum tipo de tintura, pó ou mesmo uma máscara de "careta". Esses eram o que logo o próprio povo batizou - os blocos de sujos.
Coincide com a transformação de brincadeira tão espontânea quanto sadia em atração turística e fonte do enriquecimento de alguns, a perda do caráter realmente popular do carnaval brasileiro. Para compensar o desaparecimento dos sujos nas ruas - e por reduzido período, a cada ano - alguns brincantes, muitas das vezes travestidos, tentam mostrar um pouco das raízes dessa brincadeira tão gostosa, chamada carnaval.
Mas raramente se os encontrará nas ruas, praças e avenidas do País. Esses são lugares abertos a todo cidadão, o que representaria risco indesejável para o tipo de sujeira a que se dedicam os novos sujos do País do Carnaval. O lugar preferido para a apresentação do trágico espetáculo deles têm sido, invariavelmente, as casas legislativas e os gabinetes de onde emanam as ordens que põem o País em movimento.
Diferente dos foliões dos outros carnavais, porém, a olho nu não se nota um só sinal de sua sujeira, tão intrínseca ela é. Geralmente bem vestidos, razoavelmente fluentes, simpáticos até, parecem usar os elegantes trajes, o discurso pomposo e a simpatia, com a mesma finalidade dos pós e tinturas usados pelos seus predecessores. Como a transformação do carnaval de rua com suas batalhas de confete e o corso, pelos modorrentos e repetitivos desfiles para inglês (e outros nacionais) ver, os sujos de hoje sentem-se ameaçados.
Ao contrário daqueles, que seguiam as escolas de foliões ambulantes e também viam seu próprio grupo crescer, os sujos de tribunas e gabinetes têm dos populares iniciativa que os obriga a mostrar a cara. Atormentam-se com a possibilidade de lhes ser barrada a grande avenida das falcatruas e bandalheiras, por onde se acostumaram a fazer desfilar sua desfaçatez.
É certo que alguns magistrados ativeram-se à lei pura e simples, como se o texto escrito fosse a única fonte de direito. Daí a pavimentação da estrada que pode levar a novo mandato, com a impunidade que lhe tem sido inerente. No entanto, já foi pior. Outros magistrados têm entendido chegada a hora de fazer a limpeza que a democracia exige e o povo - de, para e com que ela é feita - merece.
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