Polícia

Paulo Afonso - Bahia - 31/01/2018

Dura lex, sed lex,adverte juíza da Infância e Juventude de Paulo Afonso

PA4.COM.BR
Ivone Lima
A juíza Janaína Medeiros é natural do Rio Grande do Norte, e mora na Bahia há 13 anos.
A juíza Janaína Medeiros é natural do Rio Grande do Norte, e mora na Bahia há 13 anos.

A juíza da Vara de Infância e Juventude da comarca de Paulo Afonso [Santa Brígida e Glória] Janaína Medeiros Lopes, está no município há pouco mais de um ano. Potiguar, veio para a Bahia há 13 anos, quando passou no concurso. Antes de chegar aqui, trabalhou na região da Chapada Diamantina, Cachoeira e Riachão do Jacuípe.

“As cidades menores são mais problemáticas porque têm muita carência, então somos juízes de tudo: cível, crime e da infância, é um grande laboratório”, relembra a magistrada e acrescenta em seguida que sempre gostou da Vara de Infância e Juventude.

Nesta terça-feira 30, a juíza concedeu entrevista exclusiva ao Portal PA4, e falou de questões que são invisíveis para boa parte da população, da lei que pune de ‘forma dura’, crimes contra crianças e adolescentes, da situação social dessas famílias em cujas vítimas estão inseridas, bem como o que faz o poder público, num município rico e extremamente desigual.

Segue a entrevista na íntegra:

 Qual é o maior problema com relação à criança e o adolescente em Paulo Afonso?

A carência. Porque Paulo Afonso é muito rica, mas há muita miséria também. Aqui, eu notei em muitas audiências, uma enorme quantidade de crianças, jovens e pais analfabetos, que não sabiam sequer assinar o nome. Há investimento público, são duas casas de acolhimento aqui, o poder público presta sim uma grande assistência, o problema é que a demanda é muita. A maioria da população não se dá conta que são crianças que nascem de mães muito novas, a maioria não tem pai, são criados pelos avós, mesmo quando vão à escola não têm condição de aprender; então saem para fazer qualquer coisa, não há mais o que perder. As pessoas não podem comparar seus filhos com essas crianças que já nascem e têm tudo negado a elas.

Como a sociedade poderia ser menos omissa em relação à situação desses jovens?

Esquecer o discurso do ódio: ‘porque está fazendo tudo e merece morrer’, acho que isso precisa ser repensado. E eu vou insistir num mesmo tema: educação. Por exemplo, o programa Segundo Tempo, que algumas escolas têm, com esporte, arte que oferece essa ocupação, eu fico impressionada como um País desse tamanho com tantos jovens não forma atletas, você observa nas competições como perdemos para outras nações minúsculas; a população tem opções até de forma individual, dá esmolas não resolve. 

Por exemplo?

Nós vamos ter aqui um programa de apadrinhamento [consiste em acompanhar um desses jovens, conversar, sair, ser uma referência positiva na vida dele, tudo está previsto em lei] com jovens que estejam nas casas de acolhimento, mas que pode ser estendido a outras situações. Um desses que você salve, que tenha oportunidade de estudar, de se formar pode influenciar a própria família, ou no futuro ter uma postura diferente com seus filhos. Eles têm filhos muito cedo.

A prostituição infantil aqui é alarmante, a que se deve tantos casos?

Em primeiro lugar, à nossa cultura machista. Então eu digo que não é somente aqui em Paulo Afonso, mas no nosso País. O indivíduo acha que porque tem uma garota na rua, de 12, 13 ou 14 anos, ainda que esteja de shortinho, roupa curta tem o direito de dizer piadinhas ou tocar. A nossa sociedade não respeita a mulher. Caso contrário respeitaria as meninas, não importa como elas se comportam. Nós tentamos com a Deam [Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher] fazer algumas operações em lugares que a gente sabe que tem, mas infelizmente a coisa é generalizada. A própria família influência as crianças [há casos de pais, geralmente que não dispõem de um lugar, que têm relações íntimas na frente dos filhos, às vezes drogados etc., e os casos de pais de classes média cujas crianças são expostas a ‘músicas eróticas’ enfim, uma série de circunstâncias que antecipam esse comportamento nas meninas e meninos.

A lei, contudo, prevê penas pesadíssimas.

É estupro de qualquer forma. Veja, não importa se a garota quis, pediu ou implorou. Menor de treze anos, a lei não quer saber. Até essa idade, se der um beijo e houver a denúncia a pessoa pega oito anos, é a pena mínima. Entendam que estupro não é apenas a conjunção carnal. Acontece muita coisa que não é denunciada, mas qualquer ato libidinoso: tocar nos seios, é muito sério. E não venha apelar com coisas do tipo: ‘ela quis, ela quem deu em cima, ou ela já é acostumada a fazer’, não quero saber. Se fizer vai pagar. A lei é dura. Eu acho muito severa. Eu não corto o sinal vermelho com medo de ser multada, mas porque eu sei que é errado, um carro pode passar e acontecer um acidente. E você não vai querer ver seu filho de nove, dez anos sendo bolinando. Então devemos ter consciência.

 


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