Ao fim de seu governo, o presidente Luís Inácio Lula da Silva trilha perigosos caminhos. Já se conhecia dele certa autossuficiência que parece acometer os governantes, mais se revela o apoio popular recebido. Também ninguém ignora a incontinência verbal do ex-metalúrgico, mais desassombrada, quanto mais os números das pesquisas mostram a vantagem de sua candidata à presidência. Pouca surpresa, portanto, deveria advir do comportamento de Lula. Mas não é bem assim.
Se a autossuficiência não é atributo exclusivo de sua personalidade, se ele não é o primeiro a mostrar disposição para dizer o que quer, onde quer e a quem deseja, o conteúdo do que tem dito o presidente e o tom que dá ao discurso podem preocupar. Ainda há pouco, foi ridícula a defesa de Dilma no episódio de que o seu opositor, José Serra, sofreu uma "agressão" de simpatizantes do PT, no Rio de janeiro. Compreende-se a revolta do chefe do Executivo Federal, quando constata o comportamento da grande imprensa, sobretudo se levada em conta a cobrança de controle social dos demais setores. Parecem não conviver bem o desejo de ver punidos servidores públicos, magistrados e políticos apanhados em ilícitos e a recusa em ser objeto do mesmo tipo de controle. Essa contradição, que coloca pretenso direito de informar isento de comparação com o direito de ser bem-informado leva Lula a excessos. Também pode ser que a ação dos aloprados com que convivem o presidente e seus mais chegados auxiliares façam sua alma inquieta.
O exagero da reação do presidente, porém, não está diretamente ligado à questão em si. Fora assim, os discursos iracundos e destemperados seriam substituídos, no primeiro caso, pela mobilização da base de apoio do governo, para mudar a legislação. Inadmissível, porque atentatória à própria democracia, a introdução de restrições à liberdade de expressão e de informação. Absolutamente exigível, de seu turno, o cerceamento de informações cujo conteúdo, até prova em contrário, desliga-se do caráter social, educativo e cultural que deveriam conter.
Mas não é disso que Lula tem tratado. Ao contrário, coincidem as discussões filosóficas palanqueiras do presidente com o descobrimento de práticas ilícitas cometidas à sua ilharga, no Planalto. Impossível fugir à vinculação das duas coisas - a publicidade da delinquência e a ira verbal do presidente. Daí a se construir toda a hipótese que vem sendo alardeada é só um passo: o Brasil está a caminho de uma ditadura.
Repetem-se as acusações de que outros presidentes foram "vítimas", é certo que fundadas em razões antes imperceptíveis. Hoje, a conduta destemperada e prejudicada pela impropriedade com o que o presidente Lula aborda as questões, acaba por dar alguma aparência de credibilidade aos seus opositores.
É difícil crer na busca de um regime de exceção, sobretudo por quem se viu perseguido por um desses regimes. É impossível, todavia, admitir a forma como o presidente da República se comporta, já não bastasse a substituição da figura do magistrado pela do cabo eleitoral. O presidente deveria evitar o uso da expressão assim é, se lhe parece. Vale lembrar a célebre frase aplicada à mulher de César. Ser e parecer é o que de melhor Lula pode fazer.
Nada mais justo ao cidadão Luís Inácio Lula da Silva do que o desejo de ver-se substituído por Dilma Roussef. Nada mais despropositado, em compensação, que identificar no presidente em pleno exercício do cargo um agitador de bandeirolas e flâmulas de esquina.
Talvez essa confusão aproveite menos à democracia que aos que desejam interrompê-la, se não sepultá-la.
Nos últimos dias de campanha, ainda resta algum tempo para que Luís Inácio Lula da Silva reveja sua conduta e se porte com o rigor e a temperança exigidos pelo cargo. Isso fará bem à democracia e reconduzirá o presidente à altura de seu posto no Planalto, porque o que ele tem feito, me poupem, caros leitores.