Bem menos frequentes na telinha da Rede Globo do que o Rio, com o Leblon de Manoel Carlos, e São Paulo, da Avenida Paulista de Rainha da Sucata, a Bahia e o seu interior nordestino são cenários de Velho Chico, a nova novela das 21h, que vai substituir A Regra do Jogo em meados de março.
A equipe de produção da novela, que é assinada por Benedito Ruy Barbosa, com colaboração de Edmara Barbosa e Bruno Luperi, e dirigida por Luiz Fernando Carvalho, desembarcou em alguns destinos do Nordeste usados como locação para as cenas da primeira fase.
Chegaram a bordo de dez caminhões com mais de três toneladas de figurino. Entre os locais que vão representar a cidade fictícia de Grotas de São Francisco, situada no interior baiano, estão São Francisco do Conde, Raso da Catarina e Cachoeira, na Bahia; Baraúna, no Rio Grande do Norte; Povoado Cabloco e Olho D´Água do Casado, em Alagoas. Ao todo, 560 cenas estão sendo gravadas no Nordeste entre janeiro e o fim de fevereiro.
Além da equipe, com cerca de 120 pessoas, em cada cidade é utilizada mão de obra local na cadeia de produção. Em São Francisco do Conde, a 72 km de Salvador, por exemplo, foram contratados serralheiros, artesãos, pescadores, barqueiros entre outros.
A produção movimenta a população local e, também, o mercado artístico regional. Foram escalados 70 atores do Nordeste para as participações especiais nos capítulos iniciais. E o elenco principal da trama também fala ‘oxente’ com naturalidade, porque tem 70% de atores nordestinos.
“É interessante representar minha região, aprofundar meus conhecimentos na cultura local e trazer para o horário nobre questionamentos que, para os que não vivem no sertão, às vezes parece uma realidade distante”, afirma Marina Nery, 20 anos, que interpreta Leonor na primeira etapa da novela.
Leonor é uma jovem inocente que sonha em encontrar um amor verdadeiro e se apaixona pelo jovem advogado Afrânio, interpretado por Rodrigo Santoro que volta à TV depois de 12 anos longe das novelas. Ele faz um bon vivant que foi estudar em Salvador e vive atrás de uma cantora de bares da capital chamada Iolanda, papel de Carol Castro.
Afrânio é filho do coronel Jacinto, vivido por Tarcísio Meira, dono de quase toda Grotas e que cobiça a fazenda Piatã, da família do capitão Rosa, encenado por Rodrigo Lombardi. Com a morte súbita do pai, o advogado acaba tomando o seu lugar e dando continuidade à rivalidade entre as famílias.
Durante uma viagem para reconhecer os parceiros do pai, ele conhece Leonor, que é filha de Aracaçu, um fazendeiro da região. Quem interpreta Aracaçu é o baiano Carlos Betão, 56.
“Ele é um homem rude que mora nos confins da caatinga e trabalha com pele de bode. Vive com a mulher, a filha e mais três filhos. Surpreende Afrânio com sua filha no meio do mato e aí a desgraça se estabelece. É tudo que eu posso contar”, afirma o ator.
O romance passageiro vira um casamento à base da espingarda depois que é descoberta a gravidez de Leonor. A menina, que ganha o nome de Maria Tereza e na fase seguinte vai ser interpretada por Camila Pitanga, acabará se apaixonando justamente por Santo, que adulto ganha a pele de Domingos Montagner, filho dos retirantes Belmiro (Chico Diaz) e Piedade (a baiana Cyria Coentro), que se tornam grandes amigos da família Rosa.
Daí em diante, o romance, o antagonismo, a ambição e a abnegação se misturam para dar liga a essa história. Mas a presença arretada dos atores nordestinos não para por aí. Tem ainda nomes como o dos pernambucanos Irandhir Santos, que fez Zelão em Meu Pedacinho de Chão, e Renato Góes, além dos baianos Rafael Medrado, Lucas Fontoura e os cantores Xangai e Mariene de Castro.
“É importante sempre ter esse espaço para falar do nosso povo, do nosso sotaque, nosso jeito de ser, nossas crenças, nossos sabores e o quão é doce e amargo ser nordestino. O Nordeste é uma tinta forte de brasilidade em qualquer horário”, argumenta Betão, detentor do prêmio Braskem de Melhor Ator em 2011, pelo espetáculo Sargento Getúlio.
Aliás, a possibilidade de manter o sotaque foi um conforto a mais para o artista. “Deixo o sotaque correr sem forçar a barra, lindamente”, conta. Para Marina, modelo internacional que já estrelou campanhas de grifes como Diesel e Miu Miu, e já desfilou para Dolce & Gabbana, Calvin Klein, Prada, Dior, Fendi e Marc Jacobs, a imersão no Nordeste permitiu o resgate do seu sotaque original, perdido depois de anos morando fora do Brasil.
“Eu fiz algumas aulas para voltar a falar meu ‘baianês’ natural. Mas, como minha personagem é do interior, eu tive que adaptar o jeito e vocabulário local na minha linguagem”, revela.
A acolhida dos conterrâneos também foi um presente para os atores e a equipe. “A recepção popular é a parte mais bonita do trabalho, ver como eles são fortes perante as condições da natureza, calorosos com todos e orgulhosos da terra que têm”, afirma Marina.
Betão, seu pai na ficção, completa: “O nordestino é um luxo. Está sendo uma sensação muito boa sair do universo urbano e entrar em contato com meu atavismo, e encontrar pessoas sempre receptivas”.
Fonte/Autor: Monique Lôbo (monique.lobo@redebahia.com.br)